TRABALHANDO COM SOBREVIVENTES
- Randal Fonseca

- há 2 dias
- 7 min de leitura
Neste artigo enfatizo a condição de se estar preparado para um impacto, de forma que não seja confundido com a condição de estar “esperando” que um impacto venha a ocorrer.

A preparação é um processo de conscientização que envolve as pessoas ao seu redor.
AS QUATRO FASES DE AÇÕES ENCADEADAS
A primeira a fase é a do impacto, a segunda é a do inventário, a terceira é a fase do resgate e a quarta é da recuperação.
Em síntese, na primeira fase os sobreviventes geralmente não entram em pânico.

Sobreviventes podem não demonstrar nenhuma emoção, e ficam desorientados.
A FASE DO IMPACTO
No tempo em que perdurar a fase do impacto, os sobreviventes podem ficar expostos a situações que elevam o estresse a níveis críticos, chegando a condições que produzem sequelas duradouras. Nos eventos com níveis extraordinários de destruição, os sobreviventes poderão testemunhar coisas muito desagradáveis e conviver com situações desconfortáveis.
No encadeamento, após a fase do impacto inicia a fase do inventário, em que os sobreviventes começam a avaliar os danos e a buscar outros sobreviventes.

Na etapa da preparação instrutores ensinam como reduzir os efeitos do estresse.
Os registros demonstram que os acometimentos emocionais que atingem os membros das equipes de busca e localização são mais intensos nas fases do inventário e de resgate.
FASE DO INVENTÁRIO
Há nesta fase uma tendência de exagerar a empatia com os sobreviventes localizados, e isso pode produzir sintomas psicológicos e fisiológicos de trauma. Essas reações podem incluir disfunção cognitiva, queda na qualidade da saúde física e inferir nas relações interpessoais. Durante esta segunda fase, os laços estabelecidos nas rotinas sociais tendem a ser desfeitos em favor de relacionamentos funcionais, necessários para as atividades da terceira fase, a do resgate.
FASE DO RESGATE
Há nesta fase uma aceitação por parte dos sobreviventes de seguir as instruções das equipes dos serviços de emergência; por isso é que exibir emblemas de socorrista, capacetes, coletes refletivos e luvas faz a diferença. Quando nesta fase os sobreviventes ficam sob a orientação das agências de resposta, eles se tornam colaborativos e muito úteis para executar as tarefas.

Exibindo uniformes e emblemas que permitem reconhecer os socorristas
FASE DA RECUPERAÇÃO
Há nesta fase a tendência de os sobreviventes se unirem e reagirem contra seus salvadores. Embora possa parecer ingratidão, essa reação é parte dos cinco estágios do estresse: “negação, raiva, negociação, depressão e aceitação”.
Essa quarta fase é de longa duração, cuja qualidade depende da “etapa da preparação”, que inclui ter habilidades emocionais para suportar o estresse.
A ENERGIA DO ESTRESSE
Na qualidade de socorrista, é preciso prevenir que a energia do estresse seja direcionada a você. Sabendo disso, deverá ajudar a estabilizar as reações emocionais dos sobreviventes.

Sinais do acometimento emocional crítico permitem identificar quem precisa de ajuda.
ESTABILIZAR OS SOBREVIVENTES
Dentre os sobreviventes, em geral, haverá pessoas que reagem de maneiras agressivas ao estresse traumático, portanto, o objetivo é saber se proteger dessa condição psicológica.
A intervenção na cena visa normalizar a condição social que se forma entre os sobreviventes. Embora todas as necessidades médicas estejam em primeiro lugar, identificar a alteração psicológica tem a ver com proteger os que possam ser perigo para si próprios ou para os outros.
ENVOLVER OS SOBREVIVENTES NAS TAREFAS
Envolver os sobreviventes em tarefas objetivas é uma estratégia eficaz para prevenir potenciais atitudes perturbadoras. Ao assumirem responsabilidades lúdicas, construtivas e funcionais, os sobreviventes podem se conectar a amigos, auxiliar a organizar suprimentos, cuidar dos mais atingidos, oferecer apoio religioso a desesperados, e deixar eles mesmo de ser um problema.
Os sobreviventes com estado psicológico alterado podem precisar exteriorizar a experiência pela qual passaram e, para isso precisam encontrar alguém os ouçam. A atitude empática abre a condição para que a pessoa em estresse compartilhe seus sentimentos de dor e tristeza.
SABER OUVIR OS SOBREVIVENTES
Ao ouvir, é preciso deixar que o estressado possa se expressar sem constrangimento.

A empatia é se colocar no lugar do interlocutor para melhor entender o ponto de vista.
Em eventos extremos, pessoas que perderam seus entes queridos, podem desenvolver um profundo sentimento de ser incapaz de cuidar de si mesmos. Nos casos mais agudos, essas pessoas podem se tornar um suicida potencial. Embora rara, se a condição for percebida, será necessário encaminhar a pessoa para cuidados profissionais de saúde mental.
Há que interpretar tanto as palavras proferidas como o significado mais profundo ao conectar a fala com a comunicação não verbal, como a expressão facial, a entonação da voz e linguagem corporal. Você precisa ficar atento aos efeitos do trauma vicário.
SAIBA MAIS ACESSANDO: O TRAUMA VICÁRIO - PSICOLOGIA NOS DESASTRES

Comunicação não verbal, como a expressão facial, a entonação da voz e linguagem corporal
Evite as frases abaixo porque em vez de confortar a pessoa podem ter efeito contrário:
“(...) eu entendo”. Na realidade não há como “entender” o que se passa com a pessoa.
“(...) não se sinta mal”. A pessoa tem o direito e precisará de tempo para se sentir diferente.
“(...) você é forte”. As pessoas não se sentem fortes, pelo contrário, se sentem perdidas.
“(...) você vai superar”. As pessoas questionam se... e como vão se recuperar da perda.
“(...) não chore”. O choro é estágio do estresse. Não há problema algum em chorar.
"(...) foi a vontade de Deus". Dar significado religioso à perda pode irritar a pessoa.
“(...) poderia ter sido pior”. “(...) pelo menos você está vivo”. “(...) tudo vai ficar bem”.
Cada pessoa decidirá sobre o que é pior, se quer estar vivo, ou se tudo pode ficar bem.

Muitas frases com boa-intenção podem agravar e provocar respostas depressivas.
Se o sobrevivente reagir negativamente ao que foi dito, não há problema em se desculpar.
MORTE NA CENA
Lidar com pessoa morta na cena é uma tarefa a ser cumprida enquanto não houver a presença de autoridades governamentais, como bombeiros, polícia, SAMU, ou de familiares.
As diretrizes abaixo ajudam lidar com esta situação:
Cubra o corpo com respeito.
No caso de mutilação envolva todas as partes com a coberta.
Se a morte for constatada durante a triagem, coloque a etiquetada de cor preta.
Não remova o morto do local, se não for sua atribuição.
Siga as leis e protocolos locais.
INFORMAR PARENTES E AMIGOS
Em alguns casos, familiares ou amigos podem não saber da morte do ente querido, então, nesta situação a diretriz é manter contato visual enquanto afasta os amigos e familiares, para um local em que fiquem sentados enquanto estiverem recebendo a informação.

É normal que diante da morte de familiar ou amigo a pessoa sinta fragilidade das pernas.
AS REAÇÕES POSSÍVEIS
Cognitivas. Pessoas acometidas de estresse traumático podem reagir de forma irracional. Com isso, podem sair da conduta normal e apresentar dificuldade para tomar decisões.
Físicas. Pessoas acometidas de estresse traumático podem apresentar fadiga intensa.
Interpessoais. Pessoas acometidas de estresse traumático podem apresentar mudanças súbitas de conduta de curto ou em longo prazo, impossibilitando ter diálogo razoável.
Experiências. Pessoas acometidas de estresse variam na forma de resposta de acordo com a experiência. Às vezes a somatória de experiências pode provocar reações ainda mais críticas e até se tornar uma perturbação crônica. A pessoa pode atingir níveis ainda maiores quando, devido profissão o indivíduo é exposto ao estresse de alta intensidade.

Um exemplo é o piloto de alto desempenho, como na Fórmula 1, que suportam elevadíssimos níveis de estresse em cada corrida do certame, durante o ano.
Com base no nível de desgaste psicofísico, os intervalos das competições são calculados.
Pessoas que recentemente estiveram expostas a emoções não conseguem suportar níveis adicionais sem que chegar ao ponto de ruptura pela intensidade do nível do estresse.

Os motociclistas de alto-desempenho, mesmo sem estarem envolvidos em competições, buscam condições de estresse, e compartilham com os colegas suas experiências.
EMOÇÕES DOS SOCORRISTAS
É possível reduzir o estresse dos socorristas, reiterando o tipo de situações desagradáveis que poderão ter que enfrentar ao atender sobreviventes. Os socorristas não podem saber - e nunca devem supor que sabem - o que um sobrevivente está pensando ou sentindo. Então, o socorrista não deve levar para o lado pessoal as atitudes dos sobreviventes.
As orientações para os socorristas lidarem com estímulos do estresse devem ser antes do início dos esforços direcionados tanto para os sobreviventes como dos membros da equipe.
A equipe de resposta também compartilhar suas experiências estressantes, tanto em relação a carga de trabalho, como no contato com sobreviventes com emoções reprimidas.
Essa somatória de fontes estresses tem potencial de se revelar de forma acumulativa.
ATENÇÃO AOS SOCORRISTAS E SOBREVIVENTES
Os socorristas precisam sair da cena para repousar e aliviar os fatores estressores.
Também devem repor energia, se alimentando regularmente e hidratando sem ingerir cafeína e açúcar refinado: a preferência é para água e fluídos que reponham eletrólitos.

É importante alternar as equipes com intervalos e nas tarefas extenuantes e leves
Em vez de dispensar um membro da equipe que concluiu uma operação altamente estressante, redirecione para uma atividade sem nível de estresse.
Ao desmobilizar a equipe promova uma breve discussão, durante a qual os participantes podem descrever o que encontraram e poderão se expressar aliviando seus sentimentos.

Sessões com profissionais que auxiliam reduzir os efeitos crônicos do estresse crítico.
DEBATE SOBE O ESTRESSE DO INCIDENTE CRÍTICO (DEDIC)
O DEDIC é um tipo de intervenção de curto prazo com o objetivo ajudar sobreviventes e membros das equipes de resgate a lidarem com a energia do estresse e diminuir a probabilidade de desenvolver o transtorno de estresse pós-traumático.
O DEDIC pode ser conduzido por um profissional de saúde mental que conheça o método. O DEDIC deve ser realizado entre 1 e 3 dias após o evento traumático. O DEDIC foi projetado para ajudar membros dos serviços de emergência e voluntários a lidarem com eventos traumáticos.
O DEDIC deve ser conduzido em associação com outros tipos de intervenção.

Voluntários atuam no rescaldo como segundo socorristas, prevenindo contágio de doenças
O DEDIC tem sete fases essenciais para grupos de voluntários:
1. Apresentar os participantes e firmar compromisso de confidencialidade
2. Revisar as etapas do evento traumático
3. Compartilhar percepções e sentimentos que resultaram do episódio
4. Compartilhar as reações emocionais
5. Relatar os sintomas de estresse experimentados por cada participante
6. Elucidar sobre as reações normais de estresse decorrente de incidente crítico
7. Concluir e avaliar eventuais necessidades adicionais




Comentários