OS MAIS E OS MENOS ATINGIDOS POR DESASTRES
- Randal Fonseca
- 20 de nov. de 2024
- 7 min de leitura
Atualizado: 23 de nov. de 2024
Diversos artigos publicados no JGE coadunam estudos acadêmicos.

Pesquisas empíricas confirmam o que já é bem-conhecido no Brasil, onde as diferentes populações ao longo do território permanecem muito vulneráveis a condição pós-desastre.
Este artigo se baseia em matéria publicada por Brady, Gibbs e Harms (2021).

A REITERAÇÃO
O programa de gestão de emergências promovido pelo JGE tem o objetivo de envolver os setores governamentais e privado nas atividades antes, durante e após eventos indesejáveis, com especial ênfase a etapa da recuperação, em que os efeitos não são absorvidos por todos na mesma medida, uma vez que os danos penalizam muito mais uns do que outros.
A COMPARAÇÃO
Nos estudos de Harms, Brady e Gibbs, as experiências de diferentes grupos sociais atingidos por um mesmo evento foram comparadas, tendo sido adotado um modelo de análise de circunstâncias que possibilitou aferir quanto que um grupo foi prejudicado em comparação com outros grupos.
Com base neste estudo, um modelo hierárquico de causas e efeitos foi concebido.

Gestão Coordenada de Significados (GCS)
O modelo de hierarquia é uma ferramenta na teoria GCS que ajuda a explicar como a comunicação ocorre em vários níveis ao mesmo tempo. O modelo é baseado na ideia de que o significado da comunicação é influenciado pelos contextos que estão antes e depois, e que as pessoas sempre fazem parte de histórias e contextos.
O modelo de hierarquia ajuda a entender como as pessoas organizam suas próprias histórias, e quais são as histórias as quais elas dão mais atenção. Esse modelo também ajuda as pessoas a entenderem que nem todos os contextos são iguais e, que o contexto de uma conversa ou de uma interação pode afetar o significado do que é dito. A gestão coordenada de significado (GCS) é uma teoria, que na prática tem o objetivo de tornar a comunicação mais compreensível e de criar melhores universos sociais.

A comunicação é o processo social primário em que os contextos sociais são construídos no cotidiano por meio de diferentes formas, em que as ideias, concepções ou palavras provocam embate por serem diferentes, com o potencial de resultar em uma nova ideia.
O processo inclui outros modelos e ferramentas, imbricando em helicoidal a importância da interação ao longo do tempo, e enfatizando como a comunicação é um processo dialético
A dialética pode significar a arte de debater, de persuadir, tendo então uma estreita relação com a retórica e, como as hierarquias de sujeição podem, por seu lado, serem formatadas e empregadas, de forma que as consequências possam ser reduzidas de acordo com as características dos indivíduos, famílias e grupos sociais.
GRADUAÇÃO DE IMPACTOS
Para hierarquizar os efeitos de desastres é necessário estruturar as medidas a partir do tipo de evento, das técnicas, e do método de recuperação dos danos que seja adotado; daí se faz a comparação, tanto com um mesmo tipo de evento e vários diferentes (Andersen 2012).
Para desenvolver padrões de hierarquia é necessário em primeiro lugar estabelecer os critérios que incluem, mas podem não estar limitados ao acesso a ajuda financeira, apoio de ONGs, subsídios governamentais, e assistência humanitária pós-impacto.
É lícito reiterar que o processo de hierarquia de impacto não é sequer mencionado em políticas públicas ou doutrinas de preparação, resposta a emergências e recuperação de desastre. No entanto, alguns processos são usados para traçar níveis hierárquicos, tanto explícitos como implícitos, determinando quem são os mais prejudicados e quem são os menos atingidos.
O padrão usual pelos quais as agências governamentais, ONGs, mídia e a opinião pública costuma determinar a gravidade de impactos é comparando com os recursos empregados nas respostas a eventos anteriores, sejam eles quais forem.

Essas comparações formam uma classificação simplória que é referida como: “este evento foi mais grave que o último”, ou “este evento não foi tão ruim”.
É com base nesses níveis assimétricos de comparação, sem qualquer parâmetro de aferição metodológica, que são estabelecidas as decisões orçamentária para a recuperação.
O APELO É MOLDADO CONFORME A CONDIÇÃO
Paralelamente, as ONGs promovem campanhas para obter doações, tanto no âmbito nacional como internacional, para subsidiar os serviços de assistência aos atingidos e para identificar as equipes voluntárias e as que são enviadas pelo governo para atuar no evento.
As hierarquias de danos têm diversas implicações na vida dos atingidos por desastres.
No rescaldo imediato de um evento extremo, é comum usar figuras de linguagem como “as mais atingidas”, “os mais penalizados”; “esses foram danos sem precedentes” como fator de explicar e hierarquizar a forma de alocar recursos.
CONCEITOS
Embora as “hierarquias de impacto” não sejam amplamente discutidas no âmbito da disciplina Gestão de Emergências, ou nas pesquisas realizadas sob a égide da Ciência das Emergências, essas comparações factuais são utilizadas em outras áreas da pesquisa social, como na investigação das hierarquias de luto e de danos da guerra, por exemplo.

Há muito a se aprender com esses campos:
Para se ter uma hierarquia de impacto de desastres minimamente confiável, alguns efeitos precisam ser categorizados em níveis de importância e outros precisam ser reduzidos: ou seja, as experiências de algumas pessoas serão mais reconhecidas do que a de outras.
Hierarquias de impacto serão utilizadas para determinar elegibilidade a assistência financeira e compensações: ou seja, ao tornar algumas pessoas elegíveis, outras serão consideradas inelegíveis.
Hierarquias formadas por "estranhos", como o governo, raramente são classificadas o suficiente para refletir as complexidades vivenciadas por comunidades atingidas: ou seja, "estranhos" classificam os impactos para determinar onde alocar recursos, mas essas avaliações (convenientemente) não contam toda a história.
Hierarquias de impacto criam categorias que podem alinhar corretamente ou exacerbar divisões, prejudicando a recuperação da comunidade.
Em 2013, Blom Andersen desenvolveu um modelo de hierarquia das pessoas que ficam mais ou menos prejudicadas na fase pós-desastres. Andersen utilizou uma pesquisa sobre as consequências de uma explosão em uma fábrica de fogos de artifício em Kolding, Dinamarca.

O modelo desenvolvido cumpre uma série de etapas, e as experiências foram adotadas para analisar a condição de pessoas prejudicadas por desastres na Austrália e Nova Zelândia.
A partir das descobertas de Brady, Gibbs e Harms, quatro lacunas foram identificadas no modelo de Andersen, as quais estão adaptadas no modelo das pesquisadoras.
1. Pessoas prejudicadas por desastres compararam suas condições na fase pós-desastre com outras impactadas pelo mesmo evento, como parte de suas auto avaliações. “Forasteiros (ou estranhos)” como o governo, serviços de emergência, organizações filantrópicas e o público em geral reconhecem os danos dos desastres.
2. Pessoas impactadas podem reconhecer que a condição “prejudicada” é validada e reforçada pelos “forasteiros”. O reconhecimento inicial feito pelos “forasteiros” diminui com o passar do tempo e esses forasteiros alimentam a expectativa de que os atingidos mudem de atitude e se recuperem rapidamente.
3. Pessoas prejudicadas podem perceber a necessidade de atuar, para que a sucessiva exposição a impactos seja reconhecida e contemplada com recursos. Ocorre um desalinhamento na percepção de danos entre os “forasteiros” e as pessoas atingidas pelos impactos de desastres.
4. Pessoas prejudicadas por desastres são comparadas com outras atingidas por diferentes desastres. “Forasteiros” podem ter a tendência de rebaixar a magnitude dos danos com base nesse tipo de comparação.
Algumas pessoas prejudicadas podem concordar com o rebaixamento da magnitude dos danos, no entanto, outros considerarão o rebaixamento como ofensivo e reagirão com argumentos e efetiva determinação para que os “forasteiros” mantenham o reconhecimento da magnitude de danos.
PONTOS-CHAVES
Ø Modelo ajustado de hierarquia de impacto (Andersen 2013, modificado).
Ø Modelo ajustado de hierarquias de impacto (Brady, Gibbs e Harms 2011).
APLICAÇÃO DAS HIERARQUIAS
Após um desastre, há um processo negociado para determinar o impacto por meio de diferentes tipos de avaliações que devem incluir:
Auto avaliações por aqueles que foram prejudicados
Avaliações por outras pessoas atingidas pelo mesmo desastre
Avaliações por pessoas de fora da área do desastre.
Avaliações dos forasteiros.
Este é um processo dinâmico e que muda ao longo do tempo.

Pessoas atingidas por desastres podem expressar o sentimento fazendo autoavaliações de como foram impactadas e de como os danos foram validados ou invalidados (ou ambos) por outros, a exemplo dos forasteiros.
Hierarquias de impactos desempenham papéis diferentes para aqueles atingidos por desastres. Para algumas pessoas, as comparações podem ser um processo útil de criação de significado. Para outros, essas comparações podem ser estressantes, mas podem por outro lado serem muito úteis para justificar a auto avaliação do porquê precisam de apoio, suporte e recursos.
PONTOS-CHAVES
Os tipos de avaliações que os "internos" e os "externos" realizam são diferentes tanto em seu conteúdo quanto no ritmo. As auto avaliações que as pessoas atingidas por desastres realizaram tenderam a ser mais holísticas e dinâmicas, e incluíram impactos subjetivos (intangíveis), além de estressores secundários, enquanto os forasteiros focaram os impactos objetivos (tangíveis).
ENTÃO TEMOS QUE:
Pessoas atingidas podem simultaneamente validar e invalidar experiências.
Pessoas atingidas por desastres usaram essas hierarquias de forma diferente.
Para algumas pessoas, as comparações foram úteis no sentido em que outros marcadores de comparação social já não estavam disponíveis.
Para outras pessoas, as comparações foram uma fonte de indignação e injustiça.
Os participantes usaram hierarquias de impactos para se orientar em um momento dramático de suas vidas, com diversas formas de transtornos. Para alguns participantes, foi útil comparar com outros atingidos; as observações foram utilizadas de forma construtiva para reformular a experiência.

Por outro lado, para alguns participantes a experiência foi aumentada em relação a outros.
As hierarquias de impactos demonstraram como as experiências foram ruins. As comparações com outros atingidos pelo mesmo evento foram utilizadas na auto justificação, porque precisavam obter apoio, suporte e recursos.
ENTENDENDO AS HIERARQUIAS DE IMPACTOS
Entender as hierarquias de impactos é importante porque as categorizações têm implicações práticas para as pessoas na etapa da recuperação.
As hierarquias de impactos ajudam a entender como na fase pós-desastre a alocação de recursos pode ser influenciada. Também as hierarquias ajudam a entender as percepções que pessoas atingidas por desastres têm sobre a ajuda que receberam.
Pode ser que indivíduos e comunidades tenham a percepção de que foram esquecidos e suas experiências não foram reconhecidas por governos, agências e pelo público (os forasteiros). Quando as pessoas sentem que foram gravemente prejudicadas, mas suas preocupações passaram despercebidas, ou pior, foram diminuídas, é natural que surjam divisões, e que a frustração cresça e surja um grave sentimento de injustiça.
Essas divisões podem influenciar no acesso aos benefícios que as conexões comunitárias podem ter na etapa pós-desastre. Vivenciar e recuperar de desastres é um processo atormentador e os fatores estressores podem tornar a experiência bem mais dolorosa.
Pessoas de fora, os forasteiros (como governos, ONGs e a mídia) precisam entender que os processos adotados para avaliar e determinar os níveis de impacto podem:
Não serem abrangentes.
Minimizar as experiências das pessoas impactadas.
Causar divisões dentro das comunidades atingidas.
Isso não quer dizer que as hierarquias não precisarão ser utilizadas para ajudar a fazer as avaliações sobre os tipos de suporte disponíveis, quem é elegível e como os recursos serão priorizados. Mas se as organizações entenderem o papel das decisões na recuperação, então medidas podem ser tomadas para compensar os danos potenciais.

As abordagens amplas lideradas pela comunidade devem definir quem são os atingidos elegíveis para o apoio e recursos na etapa da recuperação; avaliações dinâmicas e suporte flexível são mecanismos que podem reduzir os resultados potencialmente negativos das hierarquias e aumentar o papel potencialmente positivo das categorizações de atingidos.
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