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A CHANCE DE SOBREVIVER

  • Foto do escritor: Randal Fonseca
    Randal Fonseca
  • 11 de ago. de 2024
  • 8 min de leitura

Quem não é parte da solução poderá ser o problema, mesmo estando em grupo.

A desatenção diante das instruções de procedimentos em emergências a bordo dos aviões pode estar associada à contumaz pressuposição de que nada de ruim acontecerá.


INFLUÊNCIA DA DESATENÇÃO

Embora as recomendações sobre medidas de segurança e procedimentos em emergências sejam essenciais, a maioria permanece desatenta. A chance de sobreviver a impactos está diretamente relacionada ao nível de atenção e de preparação para agir com proficiência.


Este artigo trata de temas sensíveis que podem ser perturbadores para alguns leitores.

CRENÇA E PRESSUPOSIÇÃO


De maneira geral, as pessoas “acreditam” ou “pressupõem” que compete exclusivamente às agências cuidarem de todos os atingidos por desastres. Também, há a crença de que se em determinado local estão reunidas muitas pessoas é porque aquele lugar é seguro.


Esse tipo de avaliação não pode ser pela suposição de não ter medo; tem que ser por uma conduta inerente a cada indivíduo e nunca pelo efeito manada. Esse comportamento está relacionado a tendência de indivíduos estando em grupo agirem sem analisar.


Outro fator é de ser o “gato casmurro” e perguntar sobre as medidas de segurança.


ALERTAS

O princípio da precaução prescreve a necessidade de cada pessoa estar sempre alerta.

Por exemplo, logo ao entrar em recinto desconhecido é prudente buscar por uma rota de escape. Essa conduta deve ser praticada sempre; seja em restaurante, boate, cinema, teatro, ônibus, trem, ou creches onde os pais deixam os seus bebês, ou nas escolas, onde os pais matriculam suas crianças e adolescentes, ou nas faculdades e universidades, onde os jovens adultos deveriam aprender erguer a mão sobre aspectos da segurança no local. 

A percepção de risco é habilidade individual que pode salvar vidas e minimizar sofrimentos.

 

CONSCIÊNCIA DO RISCO

Avisar sobre um perigo é uma atitude altruísta. Alertar sobre um risco é consciência social.


Muitos turistas que visitam Fernando de Noronha não diferenciam uma ilha continental de um arquipélago oceânico, e nada sabem sobre ondulações e correntes marinhas.

Fenômenos oceânicos produzem ondas de energia que viajam por milhares de quilômetros até atingir as rochas do arquipélago e lançar água sobre as rochas, que ficam represadas.

Banhar nas piscinas de lava (foto: Baía dos Porcos) implica em um risco ao qual os turistas não devem se expor sem um guia local, por consciência do risco implícito.


A CRENÇA DA PROTEÇÃO EM GRUPO

A energia ondulatória após lançar água sobre as rochas inverte o sentido e provoca um forte repuxo, que arrasta tudo que flutua para longe da costa. Cerca de vinte pessoas que não estavam acompanhadas por guia local entraram na “piscina vulcânica” por estarem em um grupo grande, e partiram o pressuposto que com isso nada de ruim aconteceria.


Ilustração do fenômeno que gera a ondulação e que libera a energia ao inverter o sentido.

Este gráfico ilustra a dinâmica oceânica e geológica repassada aos turistas.


O DESCASO

A despeito das recomendações, os turistas banhando na piscina foram atingidos por uma ondulação que os fez flutuar, e o repuxo os espalhou pelo mar, para longe da costa.


O CASO

A equipe de mergulho da Águas Claras mantida em prontidão, resgatou os convivas que deixaram nas pedras nacos de pele, e levaram como lição um grande susto para aprender.


OS DESCASOS MAIS GRAVES

Boate Kiss, Santa Maria, RS, (janeiro de 2013).


Quando os alegres universitários perceberam o fogo, reagiram a ameaça buscando logo uma forma de sair do recinto. Segundo depoimento de um funcionário não havia rotas de escape. Então, ao fugir os jovens foram em direção às luzes nos banheiros e lá ficaram aprisionados. Ver na Internet: Boate Kiss 2013. 

Como é que “dentre os que prepararam a boate” e todos que lá entraram, ninguém procurou saber quais seriam os procedimentos para desocupar o recinto em emergência.


De forma passiva, professores, estafe, alunos e seus pais, pressupõem que os administradores das universidades, a exemplo da Federal em Santa Maria, teriam um plano de ação em emergência para lidar com adversidades e fizessem exercícios regulares.

A pressuposição dos progenitores não basta: há que considerar a cultura Laissez-faire.

É possível que os pais dos universitários nunca se interessaram por procedimentos de emergência, nas creches, nas escolas e na universidade onde matricularam seus filhos.


O PRAZER SUPERPASSA O RISCO

Os clientes alegres e ansiosos por se divertir, afunilaram a percepção de risco, definido como “distorção cognitiva”. Neste caso, o objetivo de maior prevalência, o prazer, ofusca os demais propósitos que somente entram em perspectiva se o indivíduo tiver treino.


O aprendizado da percepção deve iniciar na infância. Não se pode esperar que na estrutura social na qual estamos inseridos seja sensato perguntar se um local público ou privado está seguro. Por isso, a educação para desastres deve estar entre as lições a serem aprendidas.


Isso se superpõem ao prazer.

Cada pessoa treinada é capaz de avaliar a segurança para si e para seus entes queridos.

A tradição cultural de se sentir seguro estando em grupo, e a busca pela alegria e prazer sobrepujam o instinto de autopreservação – que só atuará efetivamente se tiver treino.


EMOÇÃO VS COGNIÇÃO

É importante reiterar que o estado natural de prontidão somente é desenvolvido e mantido se a pessoa tiver treino para sobrepujar a prevalência de impulsos vegetativos da cultura ou pelas emoções sociais e estímulos sensoriais como os da alegria e prazer.


A cultura é um fator que envergonha formular perguntas “agourentas” ou inconvenientes, pois essa interpelação tem potencial de ser interpretada como ofensiva no senso comum.   

Mensurar os custos morais e sociais de episódios perturbadores é a meta que deve incluir o compartilhamento das lições.


COMPARTILHAR AS LIÇÕES

Os perigos criados pelas atitudes estão associados a complexos esquemas socioculturais que, por sua vez, produzem riscos subjetivos e vulnerabilidades para as quais ainda é necessário desenvolver métodos de controle economicamente orientados.


“A pessoa analfabeta neste século não é aquela que não sabe ler e escrever, mas as que não conseguem aprender e reaprender com as lições” Alvin Toffler (1928-2016).


BARRAGENS DE MINERAÇÃO

No livro Emergências Complexas – Gestão para Resiliência, RTI Editora - SP; 2016, o leitor encontra exemplos que iluminam a visão para, por antecipação e de forma abrangente, enxergar ameaças e evitar sofrimento, e processos jurídicos que envolvem as lideranças.

O evento foi considerado a maior catástrofe ambiental.


A ruptura da barragem de Fundão em 2015, na região central de Minas Gerais, derramou 34 milhões de m³ de lama sobre a bacia hídrica do rio Doce, percorrendo nos dias seguintes mais de 600 km até alcançar o oceano Atlântico; no total, 19 pessoas morreram e mais de 1.600 ficaram desabrigadas ou desalojadas. É bem conhecido que os processos de produção minerária desenvolveram ao longo do tempo, mas saber isso não basta, é preciso refletir e entender os efeitos das novidades tecnológicas.


A ruptura de outra barragem da mesma mineradora em 2019, causou a morte de 272 pessoas e contaminou mais de 300 quilômetros do Rio Paraopeba, atingindo 26 cidades. A catástrofe foi considerada a maior tragédia humanitária no Brasil. Fonte: Agência Câmara de Notícias.

LIÇÕES NÃO APRENDIDAS

O que chama atenção nas diferentes causas de catástrofes (em terra e no mar) é constatar a crônica “lição não aprendida”. Há muito tempo é sabido que embarcações têm imensa probabilidade de soçobrar quando transporta excesso de passageiros sem salva-vidas. Também não é novidade que barragens de mineração ou de hidroelétricas têm o potencial de romper, tanto é que várias já romperam e causaram danos e sofrimento.


BREVE HISTÓRICO

A indústria minerária no último século evoluiu, com anuência governamental, em dimensões superlativas nos sistemas de produção. Esse modelo a céu aberto tem estado a avançar sobre territórios mesmo quando ocupados por comunidades utilizando o critério de desapropriação.


A Constituição de 1967 assegura o direito à propriedade, mas pode desapropriar por necessidade ou utilidade pública, ou interesse social, mediante indenização em dinheiro.

Os ambientalistas que militam contra as mineradoras alegam que o método adotado para convencer as populações a aceitarem as desapropriações por valores “justos” e sem demora, inclui preparar um cenário de segurança incontestável à jusante, mas deixar a barragem romper, causando assombro geral; servindo de exemplo para diminuir resistências.


NAUFRÁGIOS INSÓLITOS

O naufrágio do barco de turismo Tona Galea em abril de 2003, deixou 12 pessoas mortas em Cabo Frio. Todos os corpos eram de mulheres, sendo duas crianças.


O naufrágio do barco Bateau Mouche no Réveillon de 1988/89, deixou 55 pessoas mortas. Com capacidade para 62, havia 142 pessoas a bordo, sem coletes salva-vidas para todos.

RISCO DINÂMICO & RISCO PURO.

Diferente dos naufrágios em que as pessoas assumem o risco dinâmico de embarcar, as populações atingidas por barragens não assumem o risco puro de soterrar.

Risco dinâmico refere a chance de ganhar ou perder; se embarcar e não naufragar, os convivas terão alcançado um objetivo. Mas se naufragar poderão afogar.

Risco Puro refere apenas a chance de perder. As pessoas entram na jogada pela decisão de empreendedores e governantes, correndo o risco de ficar viva ou de ser soterrada. Só isso.


ANÁLISE CONJUNTURAL

  1. As vítimas da piscina de lava vulcânica em Fernando de Noronha assumiram que em grupo estariam seguras, mesmo tendo sido avisadas do perigo. Foram todas resgatadas.

  2. As vítimas da boate Kiss assumiram que estando em grande número, nada de errado aconteceria e se sentiram seguras. Não foram resgatadas; só algumas conseguiram sair.

  3. As perdas de vida por barragens e os danos ambientais são objeto de processos judiciais em que os laudos de segurança são anuídos pelo poder público. Os ativistas pressupõem que isso seja um plano macabro para reduzir o tempo e custos das desapropriações.

  4. As vítimas dos desastres marítimos (Bateau Mouche Tona Galea) tinham por pressuposto que nada de errado aconteceria, então assumiram o risco e ficaram alegres ao embarcar e, se sentiram seguras por estar em grupo. Algumas afogaram e outras foram resgatadas.


SEMELHANÇAS

Tanto na piscina de lava em Fernando de Noronha, como na Boate Kiss (RS), nos passeios de barco, como nas instalações à jusante das barragens de mineração (MG), as pessoas tomaram por pressuposto ser seguro entrar lá, estar ou viver lá, já que tantas estavam lá ou viviam lá.

A lição a ser aprendida é que quantidade de pessoas em um local não indica que a condição é segura até que seja confirmada a segurança. Isso tem sido demonstrado, mas não é aprendido.

Tanto em Cabo Frio como no Rio de Janeiro os naufrágios resultaram dos mesmos erros. Ou seja, a lição do Bateau Mouche não foi aprendida e o Tona Galea repetiu o erro trágico.


DIFERENÇAS

Em Fernando de Noronha o grupo de turistas transgrediu, acreditando estar seguro.

Na Boate Kiss os jovens queriam se divertir; juntos e felizes acreditaram estar seguros.

No Rio de Janeiro era Réveillon e os convivas queriam ver os fogos em Copacabana.

Em Cabo Frio era Semana Santa e os convivas queriam ver o mar para fora do canal.

Na área à jusante moradores, turistas e trabalhadores pensavam estar seguros.


O PONTO COMUM

As pessoas se sentem privilegiadas quando conseguem transgredir regras. Daí, passageiros, comandantes e turistas, contam de forma contumaz com o fator sorte. A sorte não ajudou os ricos, os pobres e tripulantes do Titanic, pois não havia botes salva-vidas paras todos.

Ao retirar botes salva-vidas ficou com mais espaço nos passadiços e todos gostaram disso.


É PRECISO ESTAR PREPARADO

Desastres ocorrem à revelia e a despeito de toda a segurança.


Avaliando os exemplos podemos perceber que todos precisam estar preparados para ser turista, navegador, morador, líder ou trabalhador. Neste século, todos precisam aprender com as lições e avaliar a segurança das atividades, sejam laborais, espirituais ou vivenciais.


Não há como pressupor que alguém cuidou da segurança de todos. Cada um é responsável por si e pelos seus familiares que não possam cuidar de sim mesmos.


Aqueles que sobrevivem a experiência da perda de entes queridos provocados por eventos evitáveis podem, e mesmo devem juntar esforços aos objetivos do JGE.


A CULPA

Podemos apontar os erros e culpar os comandantes das embarcações, os empreendedores da mineração e as lideranças comunitárias, de hotéis e restaurantes à jusante, também podemos acusar os proprietários da Boate Kiss, mas não podemos esquecer de denunciar os deuses que construíram a piscina idílica em uma ilha no meio do Atlântico.


Então, se não há como punir os deuses, e nem os usuários, a solução viável proposta pela Gestão de Emergências é educar as pessoas para que não sejam vítimas e, neste século se tornem parte da solução viável.


ATENÇÃO E MEMÓRIA

Procure lembrar quando foi que ao entrar em recinto coletivo, antes de ocupar um assento, o leitor teve a prudência de verificar se havia sinalização de porta ou janela de emergência.


Quando foi que verificou a saída de emergência ao entrar num ônibus, e a forma de operar?


Não importa quantas vezes por semana uma pessoa entre em um coletivo ou tome um voo regular, ela sempre deverá prestar atenção nas instruções de segurança: às vezes são outras.


Envie o seu artigo.  Relate a sua experiência. Sugira soluções cooperadas.


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