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ENTREVISTA COM SERGIO VIANNA

  • Foto do escritor: Jornal da Gestão de Emergências
    Jornal da Gestão de Emergências
  • 21 de nov. de 2023
  • 9 min de leitura

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ENTREVISTA A RESPEITO DA QUALIDADE NEUROMUSCULAR QUE PODE FAZER A DIFERENÇA QUANDO IDOSOS FICAM EXPOSTOS A ADVERSIDADES CLIMÁTICAS.



ENTREVISTADO: SR. SERGIO VIANNA, PESQUISADOR E EDUCADOR FISICO.






JGE. Pelas evidências, é lícito afirmar que idosos com bom preparo físico têm melhores chances de sobrevivência diante dos desafios trazidos por ondas de calor, enchentes e deslizamento de encostas?


VIANNA: em primeiro lugar é importante dimensionar qual a magnitude da enchente ou de um deslizamento de encosta, para então se poder afirmar que o preparo físico do idoso faria a diferença. Veja que além da força física é necessário atitude, treino e planejar para colocar em prática habilidades específicas, mantendo o controle emocional. Sabemos que fatores como estresse e intenção de ajudar contribuem para falhas nas ações de auto salvamento.


JGE. Vamos primeiro focar no preparo físico. Qual é a sua visão relativamente aos idosos?


VIANNA: OK. Mas antes, ainda é preciso colocar em perspectiva a dinâmica desses fenômenos, como a intensidade da precipitação, condição de impermeabilidade do solo e de consistências das encostas com potencial de causar deslizamentos. O outro aspecto tem a ver com o histórico local. Portanto, o quesito preparo físico fica consignado a circunstâncias a serem avaliadas antes. Daí, também podemos sugerir estar o idoso em referência tomado de surpresa, estando ele fora do seu local de convivência.


JGE. Muito bem. Estás então a colocar em perspectiva o fator susto. É isso que faria diferença? Mas a qualidade da força física do idoso ajudaria mesmo assim? Se sim, podes explicar o porquê?


VIANNA: vamos então iniciar examinando os tipos de exercícios de força recomendados para idosos e, sob essa ótica, investigar a intensidade do treino e quando foi que iniciou. O instrutor físico, em primeiro lugar precisará conhecer a vida pregressa da pessoa idosa, suas aptidões e deficiências para lhe propor as metas de melhorias neuromusculares.


JGE. Então o preparador físico terá que recorrer a depoimento e aos registros médicos do idoso, é isso?


VIANNA: sua observação faz sentido, pois tradicionalmente têm sido os médicos a cuidar dos problemas de saúde e a registrar os procedimentos, mas como regra geral, não existe um sistema que compartilhe esses registros médicos para se ter um histórico consistente dos processos de agravos que podem ser tanto por lesões e doenças que se somam durante o processo de envelhecimento. Não há, por exemplo, registros médicos planejados para produzir um gráfico que inclua as atividades físicas específicas voltadas ao fortalecimento neuromuscular das pessoas ao longo do processo de envelhecimento.


JGE. Isso é verdade. As consultas médicas são de acordo com as especialidades das queixas. Mesmo os checkups anuais não têm a obrigatoriedade de cruzar dados para traçar um perfil ao longo da vida.


VIANNA: pois é isso. O objetivo de se produzir um histórico é para se saber qual o tipo de exercício deverá ser prescrito para o idoso, considerando se é um indivíduo saudável ou se acumula perdas funcionais. O programa recomendado visará reduzir o avanço de degeneração muscular ou corrigir problemas adquiridos, ou buscar reabilitar perdas precoces, tanto por sedentarismo, como por eventual trauma, cirurgia, uso de drogas, lícitas ou ilícitas, nutrição inadequada ou um conjunto dessas condições.


JGE. É interessante constatar que tradicionalmente nas empresas os trabalhadores são submetidos a exames periódicos, mas essas avaliações laborais não registram dados sistematizados da perda de potência muscular, mesmo sendo esse aspecto importante, mensurável e evitável.


VIANNA: pode até parecer irônico, mas é a realidade. Porém reitero que isso se dá porque a perda de potência muscular ao longo da vida ainda não tem um nome para ser colocado diante das perspectivas médicas. Em outras palavras, não há para a medicina tradicional um argumento convincente de que o treinamento de força é seguro, eficaz e principalmente necessário para moldar o processo de envelhecimento. Isso ainda não é considerado como uma questão clínica a merecer atenção. Vale, neste sentido, ressaltar os estudos recentes sobre a decadência das fibras musculares voluntárias. As investigações demonstram que a diminuição tem relação direta com o aumento da idade e, portanto essas conclusões estão agora sendo direcionadas a incentivar idosos a participarem de treino mecânico de força, cuja finalidade clínica é prevenir e diminuir o ritmo da degeneração típica do envelhecimento.

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JGE. Vamos retomar a questão das chances de os idosos, com bom preparo físico, lidarem melhor quando expostos a condições extremas, como enchentes ou deslizamento de encostas.


VIANNA: vamos lá. Entendo sua ansiedade para se chegar a uma conclusão tácita, mas não é bem assim. Deixe-me explicar o que está subjacente a questão que estás buscando responder. A perda de massa muscular ocorre com a idade e isso vem sendo objeto de estudos acadêmicos pelos preparadores físicos no âmbito das pós-graduações. Estes estudos tiveram início em 1993 e, desde então, estão a atrair a atenção. Na sequência, essa investigação fomentou outras pesquisas sem, contudo se chegar a um consenso. Em 2008, outro estudo referendou como parte da falência muscular a diapenia, que é a perda de força, ou seja, está relacionada, mas separada da sarcopenia. Então veja que ao se atribuir nomes (sarcopenia e diapenia) as coisas mudaram e maior atenção passou a ser dada aos processos, mas não sob a ótica da clínica médica. É então possível confirmar que uma parte significativa da dificuldade médica em acompanhar seus pacientes reside mesmo em eles não terem definições nominais. Eles não têm um nome para orientar os exames médicos. Por exemplo, perda da força de apreensão (diapenia) é às vezes utilizada como critério de diagnóstico para sarcopenia e isso é um engano. Pode-se de aí perceber que há nítida confusão. Então, temos a sarcopenia que é a perda de massa muscular; a diapenia que é a perda de força muscular, e temos a potenciopenia que é a perda da energia muscular, como a velocidade para caminhar, que é a potência e não a força ou massa muscular. Em vez de examinar separadamente, a medicina segue paradoxalmente, agrupando esses fatores como diagnóstico para sarcopenia.


JGE. Já que estamos a descer a detalhes técnicos científicos, diga para os leitores JGE um pouco sobre o treino para estimular essas três qualidades musculares que merecem atenção da medicina geriátrica.


VIANNA: um pesquisador argumentou que a perda de potência (energia) é a principal inimiga do idoso, pois está mais diretamente associada às condições funcionais do que a massa muscular ou mesmo com a força muscular. Esse estudo realmente merece atenção para a aplicação clínica e, para o que estás a buscar elucidar sobre a melhor chance de lidar com as intempéries que o JGE coloca em questão.


JGE. Podemos dizer ser a “potência” muscular reduzida com o avanço da idade que faz a diferença?


VIANNA: é isso. A meu ver, essa é a principal negligência médica, pois como eu disse, isso se dá porque os nomes, acredite se quiser, ainda não entraram no radar da geriatria médica. Eu insisto na questão da denominação porque ao se atribuir um nome ao “inimigo”, nós então temos como identificá-lo, categorizá-lo, defini-lo e enfrentá-lo pela identidade e malevolência. O nome possibilita concentrar atenção e encontrar a melhor maneira de derrotar cada adverso. Isso é dar um grito. Um nome é o grito de guerra, de combate e de ação para vencer a inação.


JGE. Podes explicar de forma simples como essa “guerra” poderia ser vencida?


VIANNA: essa guerra tem um campo de enfrentamento bem maior. Além da falta de nome das falências em níveis musculares que reduzem a capacidade de o idoso sobrepujar enchentes e deslizamentos de encostas, há outros fatores climáticos menos alardeados que são lesivos aos longevos, como as ondas de calor que já mencionastes e frio intenso, que cobram a vida de muitos deles. Fatores agravantes incluem a obesidade, sedentarismo e a alimentação inadequada que separadamente ou em superposição têm potencial de provocar problemas endócrinos. O metabolismo de controle da temperatura corporal dos idosos e sobretudo daqueles que são obesos, não consegue compensar as variações térmicas diante das temperaturas elevadas ou do frio intenso, provocando a intermação ou a hipotermia respectivamente. Embora essas etimologias já tenham nomes, urge apresentar as “armas” para combatê-las.


JGE. Quais seriam essas armas? Elas já existem? Estão ao alcance das camadas mais pobres?


VIANNA: os desafios de proteger os idosos deve começar muito antes. Muitas armas para enfrentar os inimigos da velhice já existem há muito tempo. Ao utilizar um plano para quando a idade avançar, possibilita desfrutar de uma velhice sem atropelos ou humilhações. Um exemplo simples é o acompanhamento por meio da medicina laboral, os exames periódicos que nas empresas avaliam o desgaste orgânico de acordo com a atividade do trabalhador. Esses exames tiveram início logo após a primeira década do século 20 e têm como objetivo a aposentadoria, seja por lesões, por tempo de serviço ou por idade. Também podemos citar os planos de saúde privados que vão na mesma linha, mas alguns têm alguma variação, a exemplo dos “planos X-sêniores”.


JGE. Sim, mas há uma diferença, porque contribuições por força de lei para aposentadoria é um tipo de “poupança” compulsória, já os planos privados complementares de aposentadoria e de saúde têm outra abordagem, considerando que suprem das falhas crônicas do sistema governamental de jubilação.


VIANNA: vamos então traçar uma analogia com esses estatutos. O método que estou a referir considera que a perda de vitalidade com o passar dos anos pode ser prevista por meio de tecnologias computacionais que fazem projeções do envelhecimento de cada pessoa, a partir da genética, fatores hereditários, estilos de vida, comportamentos, costumes e atividades.


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JGE. Entendi bem a analogia da poupança. OK! Então as pessoas aderem a um programa de preparação física para coadunar com as projeções do envelhecimento. É daí que são propostos os exercícios.


VIANNA: veja que a preparação física no modo como hoje a conhecemos, teve início na década de 1970, antes disso as atividades eram “desportivas” praticadas em clubes e em alguns poucos colégios. Não 4 existiam o que hoje chamamos de academia de ginástica com inúmeras opções que incluem recursos para todos os gostos e objetivos. Esses recursos, métodos e práticas melhoram tanto a força, como a massa e a energia, porém os instrutores físicos são levados a atender as preferências do cliente, mas há sempre o aconselhamento do profissional que vai direcionado ou redirecionando o “aluno” para um objetivo coerente com a saúde e preservação das atividades motoras.


JGE. Há os que descobriram a gratificação de se exercitar e os que praticam por indicação, mas há sempre um objetivo estético funcional, mas esses não focam o benefício para qualidade da velhice.


VIANNA: a esse objetivo de preparar para garantir qualidade na velhice chamamos de “plano para a vida toda”. Nem todas as pessoas chegam à velhice, mas independentemente de não se saber quanto tempo temos de vida, o plano para vida toda inicia nos primeiros anos da idade adulta operando no dia a dia mensurando o envelhecimento que se dá com o passar do tempo. O ponto de partida é a condição que a pessoa apresenta naquele momento inicial, sem contudo focar objetivos imediatos ou em curto prazo. Então, em vez de se propor um trabalho daqui para frente, o que se faz é propor um plano que vem de trás para frente, ou seja, se parte da velhice projetada para se saber o que precisa ser feito agora para se chegar lá no futuro, ajustando o dia a dia ao longo de cada ano, para os anos que, em perspectiva, estarão a ser vividos com qualidade. Mas veja que não faz parte deste tipo de plano lidar com adversidades climáticas. Isso é outra ciência que não é nem medicina e nem preparação física.


JGE. Esse tipo de preparação física de trás para frente já está disponível?


VIANNA: antes de responder quero acrescentar um elemento importante no tocante ao significado do planejamento de trás para frente. Vejamos. Por que os planos de saúde privados ficam mais caros à medida em que a pessoa envelhece? A resposta está no fato de que os planos não fazem aconselhamento sobre estilo de vida em relação à saúde. Os planos pagam pelos exames periódicos, check-ups e tratamentos, sem se envolverem com o comportamento. E, respondendo à pergunta, posso asseverar que sim – esses planos de preparação física de traz para frente já estão disponíveis. Há já organizações (academias como chamamos) que utilizam recursos informacionais para cruzar dados que incluem desde a herança genética da pessoa, a localidade em que vive, os costumes alimentares, dentre outros fatores, para traçar o perfil de envelhecimento. A partir daí são feitas medições sucessivas e correções para direcionar o processo “para vida toda”. Isso é diferente de acompanhamento médico, mas os exames clínicos fazem parte da estratégia.


JGE. Além dos Estados Unidos, há outros países em que este programa esteja sendo oferecido?


VIANNA: já está no radar, mas ainda não efetivamente disseminado. Não sei dizer especificamente quantas academias ou clínicas estão a oferecer essa metodologia, pois como eu disse, envolve diferentes tecnologias de ponta para se traçar perfis com acuracidade confiável. Além disso é necessário se desenvolver uma cultura para que as pessoas venham a aderir às recomendações e para tornar esse programa economicamente viável.


JGE. O aspecto da adesão é um ponto interessante, porque requer comprometimento e dedicação para vida toda. Qual a estratégia para garantir que a pessoa não desista?


VIANNA: as estratégias incluem em primeiro lugar o autoconvencimento, em segundo, envolve demonstrar os benefícios dos resultados; mostrar por meio de índices de metas alcançadas o desenvolvimento, também por meio de um arcabouço de propostas que a pessoa seleciona. Essas escolhas ficam registradas em “nuvem”, assim e quando o indivíduo viaja ou muda de residência, ou de capacidade de desembolso, os ajustes são feitos para coadunar as variáveis. É isso: para vida toda e independente de onde a pessoa estiver.


JGE. Então o exercício é como a Fonte da Juventude que Ponce de Leon buscava na Flórida?


VIANNA: pode-se ver que o “mito” persiste. Não. Não é a Fonte da Juventude. Veja bem, o exercício não tem como deixar a pessoa mais jovem, mas sim com uma aparência mais jovem. As investigações têm demonstrado que exercícios realmente causam um impacto poderoso na nossa saúde, podendo retardar o processo de envelhecimento. No tocante ao nosso tema, que se refere a ter melhor chance de lidar com ondas de calor ou enchentes e deslizamentos de terra, podemos asseverar que retardar o envelhecimento é uma parte, pois dissemos que há outros agravos climáticos que atingem os idosos de forma grave ou mortal. A continuação desta entrevista será publicada na próxima atualização do JGE. Chegaremos ao cerne para entender como a qualidade neuromuscular ajuda a sobreviver e a ajudar outras pessoas.


Se gostou, deixe seu comentário na sessão OPINIÃO ou envie um ARTIGO que ajude os leitores JGE a saberem mais sobre como lidar com o envelhecimento, que aliás chega para todos



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